Em 1988, buscando legitimidade diante da comunidade internacional, a junta militar chilena, sob liderança de Augusto Pinochet, convocou um plebiscito nacional onde a população votaria “Sí” pela manutenção do governo vigente, ou “No” pela queda do regime ditatorial que regia o país já por uma década e meia, desde o golpe ao governo Allende.

O filme de Pablo Larraín, uma co-produção Chile, França e Estados Unidos, teve fôlego para chegar a uma das cinco vagas do Oscar 2013, na categoria de Melhor Estrangeiro, um grande feito e certamente não imerecido. Levando a acuidade da reconstrução de época a outro nível, o perfeccionista diretor utilizou-se até mesmo câmeras daquele período – uma U-Matic dos anos 1980 arrematada no site de leilões eBay –, enriquecendo a fotografia com uma textura granulada e confundindo o espectador quanto à idade da película. Não se engane: o filme é de 2012, mas o uso de imagens de arquivo e ficcionais é tão vertiginoso e bem agrupado que qualquer espectador que se deixe enganar está escusado.

Gael García Bernal (muito apagado, se comparado com seus outros vigorosos trabalhos) faz René, o jovem publicitário que lidera a surpreendentemente vitoriosa campanha do “No”, derrubando o regime do déspota e iniciando uma nova fase na política latino-americana. René, porém, embarca no projeto muito mais por obrigação profissional do que por idealismo, e quando vê sua vida sendo invadida pela política, inclusive botando-a em perigo, começa a questionar-se sobre o valor de seu trabalho.

Embora ambientada nos bastidores das gravações das campanhas, No nunca deixa de ser uma trama densamente política. Em meio ao desenvolvimento dos jingles e esquetes, vemos o jogo sujo do governo militar que se reuni no palácio, buscando formas de evitar a derrota iminente. Ainda temos, em dado ponto do filme, as imagens reais de personalidades estrangeiras (todas americanas) apoiando o voto pelo “No”, em defesa da democracia, como Christopher Reeve (Superman, 1978) e Jane Fonda (Barbarella, 1968).

A análise da queda de um regime despótico toca, por motivos diversos, fundo a todos os latino-americanos. O próprio diretor, Larraín, vem navegando já há alguns anos no tema da política do nosso continente, a exemplo de seus outros projetos, como Tony Manero (2008) e Post Mortem (2010), porém, é em No que ele e o Cinema chileno atingem o ponto alto de vigor técnico, frescor estilístico e criatividade.