Dizer algo sobre a obra de um dos poetas mais renomados do país é sempre uma tarefa constrangedora no mínimo, ainda mais se esse poeta for Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e a obra Sentimento do mundo (1940), fundamental em seu percurso como escritor. Entender Drummond é também buscar compreender melhor nossa história literária em um período tão conturbado quanto a primeira metade do século XX, considerando-se que o Sentimento… foi publicado em um ano tão distinto quanto 1940, em que a Segunda Guerra Mundial, iniciada no ano anterior, finalmente ganhava corpo e começava a deixar de ser um mero conflito diplomático para ser uma tragédia de proporções imensas.

Meu intuito aqui não é fazer uma crítica sociológica da obra de Drummond, apenas lembrar o leitor que o “sentimento do mundo” presente no título incorpora esses elementos universais. Também, é claro, há aqueles referentes ao eu-lírico, àquele poeta melancólico, interiorano que veio para a capital nacional, à época o Rio de Janeiro. Como sempre se diz, Drummond veio de Itabira, cidade pequena próxima de Belo Horizonte, situada em uma região que nos evoca imagens relativas à mineração e à metalurgia.

Um pouco de tudo isso parece fazer parte desse “sentimento” da obra, temas muito bem explorados no posfácio de Murilo Marcondes de Moura para a nova edição lançada pela Companhia das Letras, recentemente. A mesma edição nos oferece também um interessante panorama com fotos de Drummond, de suas publicações, de outros poetas, como Manuel Bandeira, e de notícias da época sobre a guerra que eclodia. Acredito que o fato dessas fotos se posicionarem anteriormente à compilação de poemas propriamente dita nos faz recordar bem do contexto no qual eles estão inseridos.

Ao mesmo tempo, deve-se notar que uma das razões pelas quais o poeta mineiro permanece tão famoso e reconhecido é justamente o fato de que seus poemas são muito mais do que expressões históricas. Algumas das composições de Sentimento do mundo, como “Congresso internacional do medo”, “Inocentes do Leblon” e justamente “Sentimento do mundo”, ainda que nos façam lembrar da evidente tensão da guerra, não deixam de ser uma apreensão em relação ao mundo como um todo. Os ditos “inocentes” no Leblon são criticados pela sua alienação a tudo, não somente a guerra. Diante dos navios que chegam ao Rio, representantes desse mundo “externo”, os “inocentes” apenas “ignoram”, já que “a areia é quente, e há um óleo suave / que eles passam nas costas, e esquecem”.

Drummond era ele mesmo talvez um dos “definitivamente inocentes”, porém não do Leblon, mas sim de Itabira, da distante cidade que parecia existir alheia a tudo. Em “Confidência do itabirano”, segundo poema do volume, há o sentimento de saudade da terra natal ao mesmo tempo que marca a formação do poeta como alguém “de ferro” assim como a economia da cidade.  Porém, antes disso, temos o poema “Sentimento do mundo”, em que se diz: “Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo, / mas estou cheio de escravos, / minhas lembranças escorrem / e o corpo transige / na confluência do amor”. A abertura da obra já nos dá a dica: Drummond finalmente abandonou o interior, apesar da “confidência” que lança depois, porém ainda não sabe como lidar com a sensação de que está inserido no mundo e nas relações humanas. Ainda perdido, “disperso” como afirma versos depois, ele se sente “anterior a fronteiras”, ou pelo menos consciente de que há algo além da praia do Leblon.

Ainda que sejam “águas tranquilas” as do Rio de Janeiro, como diz em “Privilégio do mar”, o poeta vê que tudo está para se dissolver, que as “lembranças escorrem”, que o mundo está prestes a acabar diante das necessidades do “Poema da necessidade”. Sob essa apreensão que percorre todos os versos de Sentimento do mundo, lemos cada um dos poemas sob a ótica do eu-lírico que se encontra entre a paz da praia e a guerra que acontece veladamente. O medo parece prevalecer acima de tudo, o medo que lemos em “Congresso internacional do medo”, medo “dos mares, dos desertos” ou “dos ditadores, (…) dos democratas”.

Pessoalmente, devo dizer que não sou um grande leitor de Drummond, conhecendo apenas os poemas mais famosos, tendo somente lido por inteiro agora Sentimento do mundo. Essa obra contém textos dos que mais me agradam no poeta, que nos evocam esse “sentimento” controverso de pertencimento e distanciamento do mundo que o eu-lírico transparece. Por esse livro realmente podemos notar a significância da poesia de Drummond para sua época e para nós, leitores mais tardios, já que grande parte das questões nele presente se refere a nossa realidade também, é claro, como sua desesperança em relação ao mundo e sua vontade de chamar nossa atenção para um mundo que parece nos levar para rumos duvidosos.