“Ensaio sobre a Cegueira” , o filme, está causando bastante ‘polêmica’ ao redor do mundo. A última ocorreu essa semana quando a Federação Nacional dos Cegos dos EUA pedem boicote ao livro, alegando que o filme deturpava os cegos, ajudando na exclusão deles da sociedade. Claro que isso é uma tremendo engano, pois a película de Meirelles fala sobre a observação e, não apenas o dom de ver, sobre o homem voltando a hábitos primitivos. Expondo o apodrecimento moral no colapso social.
Mergulhados no mar de leite, pois a cegueira aqui é branca, os novos cegos precisam confiar uns nos outros para dividir comida, para fazerem necessidades e para redescobrirem as coisas mais simples que a visão cegava, principalmente no campo dos sentimentos (que serão fortemente separados das necessidades físicas do homem). No livro de Saramago, o médico cita que cegos eles não são melhores nem piores, são os mesmos. Ou seja, a humanidade de todos está mais exposta, aquela suja, aquela que muitos só se voltam para o seu bem estar quando não estão sendo observados ou vigiados.
A partir desse momento Fernando Meirelles mostra ao espectador que ele também deve observar o que ocorre na tela. Muita vezes o que está em foco não é a seqüência principal e, sim, o reflexo que se encontra um pouco transparente no vidro. Os sons a principio são confusos: carros, sinos, buzinas, pessoas, o que está incomodando tanto os ouvidos? Quanto mais a epidemia se espalha mais podemos ouvir nitidamente uma arma, um cano, madeira e até o fogo ateado. Dessa forma começamos cegos no inicio dos créditos e vamos descobrindo o poder da observação tanto para analisar as personagens como do ambiente que as cercam.
O livro traz descrições das personagens através de suas profissões ou características mais marcantes, dessa forma ficou aberto para Meirelles a escolha de um elenco de várias nacionalidades compondo um país multiétinico, formado pelas locações em diferentes partes do mundo, completando assim a metáfora de que não é uma história sobre nações ou raças, mas sobre a humanidade.
A edição do filme começa brutal e incomoda (de maneira boa) para ficarmos atentos a tudo que acontece, pois a primeira metade do filme começa numa velocidade igual a das grandes metrópoles e megalópoles, passam por nós sem que possamos acompanhar. A exposição de luz que transpõe o mar de leite para o espectador mostra silhuetas dos personagens, perceptivel em uma cena de sexo antes de ser totalmente exposta fora da brancura.
A adaptação é fiel ao livro, quem o leu há muito tempo talvez nem perceba as três ou quatro cenas que são somas de trechos do livro. Todavia, as cenas mais fortes foram suavizadas devido a dispersão de público nas exibições de teste (aqueles em que o diretor exibe para uma platéia selecionada o filme não finalizado), por isso os sons tem grande importância. E para todos que leram o livro, chegar ao final do filme com a narração do velho da venda preta tem um significado maior.
“Ensaio sobre a Cegueira” (Blindness, 2008). Dir.: Fernando Meirelles. Roteiro: Don Mckellar. Adaptado da obra “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago. Com: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Danny Glover, Yusuke Iseya, Yoshino Kimura, Don McKellar, Mitchell Nye, Gael García Bernal, Susan Coyne, Sandra Oh, Maury Chaykin, Mpho Koaho.