Um dramaturgo hipocondríaco está sufocado com sua nova obra-prima: uma réplica em tamanho real de Nova York em um galpão, enquanto tem que conviver com as mulheres de sua vida.

Sinédoque é um tipo especial de metonímia baseada na relação quantitativa entre o significado original da palavra usada e o conteúdo. Normalmente utilizada como a parte pelo todo ou ao contrário (todo pela parte): “Ficou sem teto”, neste caso vemos que teto é uma parte do todo que seria a casa.”Brasil leva o ouro”, aqui temos um caso duplo, o time ou atleta é trocado pelo país de onde veio e troca-se a medalha pelo material que ela é feita.

Em seu novo alter-ego (Caden Cotard), Charlie Kaufman (roteirista de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Adaptação) tenta nos mostrar a angústia da morte imediata e o egocentrismo de sua personagem. O dramaturgo não se preocupa quando suas mulheres desaparecem de sua vida ou quando os anos se passam. Preso a si mesmo, acha que o tempo não o deixará para trás e, sim, que estará sempre à frente. Dessa forma, Caden resolve criar sua própria Nova York, em uma tentativa megalomaníaca de se tornar Deus.

Como Deus de seu próprio mundo, ele comanda e escolhe o que cada um deve fazer, sempre seguindo a realidade dos eventos que se antecederam até a peça tornar-se, em dado ponto, o presente da vida de Caden. Entretanto, ele mesmo não consegue prosseguir com sua vida e sua peça acaba por criar vida própria (criando uma peça dentro da peça e outra peça dentro da peça); dessa maneira, Caden é onipresente e, apesar de ter um papel na peça original (vida), ele não percebe e continua a controlar seu universo particular centrado em seu próprio ser. Esquecendo suas mulheres e filhas. Cotard some do mundo “real” e não consegue mais interagir com as pessoas deste lado (quando encarna a “personagem” Beth na vida real, também não consegue ser visto por sua ex-mulher).

A peça de Cotard, que nunca consegue um nome, torna-se uma imensa projeção de seres sem alma, refletindo apenas os personagens em que se basearam, que por outra vez se basearam em outros e até chegarem aos originais, que nem mesmo tem em quem se inspirar e logo acabam por modelos herméticos um dos outros. A “consciência” da interpretação de cada ator é tão forte que não é preciso mais roteiros; eles sabem o que pensam seus modelos originais. Vivem da informação e, assim, seu conteúdo, seu sentido (que era a intenção inicial, a busca pelo sentido da vida de seu Deus, Cotard), é devorado e perdido.

Essa ironia na projeção de sua vida que não lhe pertence mais prova que Caden Cotard não ansiava pela morte imediata, mas pela propagação de sua dor para a eternidade assim como a máquina de Morel. No livro de 1940 do autor argentino Adolfo Bioy Casares, a máquina do cientista em questão é um projetor que capta os movimentos de todas as pessoas: pequenos movimentos, gestos, odores, sentidos, mas não as deixa com suas almas. Todos viram uma simples projeção eterna que não interage com as pessoas fora desse mundo. Porém a vida de Deus de Cotard não avança e nem retrocede. A peça torna-se uma desconstrução de si mesma e a única maneira de conseguir ser finalizada é seu Deus tornar-se real a ela.

Negando a estética das obras anteriores (dirigidas por Michel Gondry e Spike Jonze) ao querer sua própria direção nesse novo longa, Charlie Kaufman exibe um humor discreto e ao mesmo tempo histérico (e sempre trágico).