O irlandês James Joyce é famoso. Famosíssimo: é costume considerá-lo um dos maiores escritores do século XX; e isso não só em língua inglesa. Diz-se que, sem seu Ulysses a literatura não teria se tornado o que se tornou. E, caso faltasse Ulysses, ainda teríamos o excelente Dublinenses e o experimentalíssimo Finnegan’s Wake.

Existe, porém, uma parte da obra de Joyce que costuma ser relegada a segundo plano. Duas, na verdade: sua única peça teatral, Exiles (lançado por aqui como Exilados), e alguns poucos poemas, presentes em Pommey’s Pennyeach e em Chamber music – lançado no Brasil pela editora Iluminuras, em tradução de Alípio Correia de Franca Neto.

Música de câmara poderia ser considerado um livro curioso pura e simplesmente por ser poesia joyceana. O que o autor de Ulysses poderia fazer ao lançar-se ao verso? Seria ele ainda tão inovador e tão experimental ou, como as vezes acontece, sua poesia se oporia à sua prosa, sendo mais tradicional? Certamente Joyce não ousou tanto em sua poesia. Quiçá por ter escrito muito menos poesia do que prosa, quiçá por não ter sentido isso como necessidade. Tampouco, porém, limitou-se ao que já existia antes: mescla um trabalho bastante cuidadoso com certo desapreço pelos próprios poemas.

Foi um trabalho certamente efetivo, pois, apesar de vender pouco, o livro foi aclamado criticamente. Ezra Pound viu neles um “delicado temperamento” e Yeats disse ouvi-los como “um exército marchando sobre a terra” ou “uma obra prima de técnica emocional”. Apesar de diferirem sobre a apreciação final desses poemas, ambos os poetas concordavam com o fato de os poemas de Música de Câmera serem de qualidade bastante alta, com um trabalho formal e sonoro intrincado. Soma-se a isso o uso de neologismos nos momentos corretos e um crescendo temático, descrito por Joyce como “os sonhos de um jovem solitário que sonhava em acordar e descobrir ser amado por uma garota”.

De fato, os 36 poemas que compõem o livro são poemas de amor, carregados de uma melancolia cheia de ilusões.  Apesar de não chegar a renegar os poemas, Joyce mais tarde se mostraria  um tanto desdenhoso para com eles, dizendo que o nome Chamber music não era apenas uma referencia musical mas também – e mais ainda – aos chamber pots, espécie de penicos para urinar que ficavam nas salas de algumas casas irlandesas. Joyce comparou a sonoridade dos poemas à sonoridade da urina acertando esses penicos. Escreveu, também, que os poemas eram frutos da mente de um jovem ingênuo e triste.

De fato, tudo isso pode ser verdade. O que seria mais joyceano que poemas de amor extremamente musicais que, ao mesmo tempo, encontram paralelo na urina que atinge um penico?

P.S.: Vale ainda lembrar que muitos dos poemas acabaram sendo musicados – como Joyce intencionava, apesar da ironia com que tratou os poemas a partir de certo momento. Entre os que fizeram isso figuram Syd Barret (do Pink Floyd) e Jim O’Rourke (Sonic Youth e Wilco, entre outras).