Você pode conferir a primeira parte dessa resenha aqui.

O conto seguinte da famosa coletânea é O tarquínio de Cheapside. É um conto enigmático, que mais deixa dúvidas no ar do que propriamente possui uma trama elucidativa. A história se detém no ambiente da casa de Wessel, que recebe um homem fugitivo, a quem acolhe com muita relutância. O tom pomposo da fala de Wessel e seus modos quase arrogantes provavelmente se relacionam com o personagem histórico Tarquínio, o Soberbo, último rei de Roma.

Creio haver uma ironia presente já no título, pois Wessel, por mais que procure manter pose e trejeitos que se pretendem nobres, se encontra em uma situação nada condizente com a sua suposta condição: abrigando um fugitivo, sendo interrogado por ele e abordado pela polícia. Isso sem contar o fato de ele morar em Cheapside. A fugacidade do conto, todavia, nos impede de aferir mais considerações.

As imagens do casamento são recorrentes na obra de Fitzgerald. A própria figura e papel da mulher nesse ínterim é substancialmente diferente das imagens existentes sobre elas em obras de outros autores que o antecederam (e ainda: como esquecer da poderosa Gloria Gilbert, de Os belos e os malditos, que talvez fosse alter-ego da egocêntrica Zelda Fitzgerald?) É sobre essa questão que se detém a trama de Ó feiticeira ruiva!

Eventos estranhos e um sedutor magnetismo emanam de Merlin Granger, uma mulher ruiva que mexe com as emoções do narrador. Esse, enlevado pelo encanto da bela moça, procura rejeitar o moralismo do qual é cativo, exalando carpe diem’s para lá e para cá. O conflito moral, outra das constantes da obra de Fitzgerald, é trazido aqui à luz da ética conjugal e o controle a ela subjacente. Uma bela história com final surpreendente.

O resíduo da felicidade é o conto que se segue. Nele, dois casais, Harry Cromwell e Kitty Carr, e Jeffrey e Roxanne Curtain, experimentam decepções distintas que os leva a condições similares. Jeffrey se torna um incapaz e Roxanne, cumprindo os deveres de boa esposa, se encarrega dos cuidados com ele até que sua vida se apague. Harry acaba se separando de Kitty por conta de divergências de magnitude insustentável.

A relação entre os dois agora desimpedidos, que ficara insinuada ao longo da trama, parece correr para uma conciliação final. O desfecho não é assim tão fácil e Fitzgerald explora a transitoriedade da badalação juvenil em contraste com os deveres da vida adulta. Uma espécie de compensação parece reger as relações mundanas, como se a cada benesse houvesse uma contraparte negativa. É assim que se enrola a relação entre Harry e Roxanne, que chega a um anticlímax bastante curioso.

Os personagens centrais de cada um desses contos parece refletir uma certa angústia em virtude da esterilidade davida que experimentam, seja no âmbito espiritual, seja no âmbito de liberdades morais e éticas. O avanço de um conjunto de relações novas, nas quais o capitalismo se intensifica e tolda os velhos modos de pensar com ele, assedia as próprias identidades desses indivíduos. Essa confusão fica expressa no seguinte trecho:

“Pertenciam a essa enorme classe social americana que vagueia pela Europa todos os verões, a sorrir escarninhamente, de modo um tanto patético e tristonho, dos costumes, tradições e passatempos de outros países – e isso porque não possui costumes, tradições ou passatempos próprios. É uma classe surgida ontem de pais e mães que bem poderiam ter vivido há duzentos anos.” (p. 214)

Se em um momento Fitzgerald parece pender mais para o modo de vida antigo, mais pessoal e menos regido pelos restritivos códigos de moral de inspiração burguesa; em outro parece comprar a idéia de que essa nova conduta comportamental vale a pena pelas recompensas que, ilusoriamente, oferece.

Da mesma forma que George F. Babbitt se encontrava perdido entre um antigo modo de viver e conduzir seus negócios, também os personagens de Fitzgerald refletem em alguma medida essa tensão. Eles estão simultaneamente deslocados em um mundo em profunda transformação e encantados com as possibilidades de enriquecimento e prestígio nele mesmo, conquanto essas possibilidades acabem por se mostrar ilusórias para a maioria das pessoas, levando a suas angustiosas derrocadas. Essa é uma das tônicas percorre toda a obra fitzgeraldiana.

FITZGERALD, F. Scott. Seis contos da era do jazz e outra histórias. 7ª ed. Tradução de Brenno Silveira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.