Viajar para o exterior, ainda mais na condição de mochileiro, é com certeza uma aventura quando planejada– ao menos na mente de jovens no hiato entre fim de faculdade, fim de colégio, estágio, etc. – conhecer novos lugares, pessoas diferentes e para se dar bem (leia: fazer sexo com estrangeiras que “adoram” brasileiros). A Coleção Amores Expressos enviou diversos escritores para várias cidades do mundo, cada um ficaria um mês e a partir dessa vivência deveria escrever uma história de amor. Alguns dos autores criaram personagens nascidos no país em que visitaram, outros fizeram protagonistas brasileiros fugindo ou conhecendo um amor. O Livro de Praga – Narrativas de Amor e Arte fugiu levemente à regra: Sérgio Sant’Anna compôs um escritor que é enviado a Praga para escrever um livro que posteriormente poderia virar filme. Contudo, os amores existentes nesse exemplar da coleção, lançado pela Companhia das Letras, são efêmeros, sexuais e fetichistas. O desenvolvimento do livro, por mais que se ligue em pequenos pontos, é, ironicamente, uma infâmia ao personagem principal. Ele adquire fora de seu país uma fama soturna, envolvendo morte e exibicionismo.

As narrativas são em primeira pessoa e levemente interligadas. Antônio Fernandes desembarca em Praga e resolve ir a uma exposição de Andy Warhol. Na exposição, após leves explicações sobre o artista, Fernandes ouve um som desconexo, mas belo, e logo corre atrás para descobrir como ter uma sessão desse incrível concerto privado. Esse é o capítulo A Pianista, que logo mostra que o livro não veio para contar uma história de amor sentimental, mas sim carnal e artístico. Antônio Fernandes participa do concerto através das mãos e dos pés de Beátrice Kromnstadt que acariciam e violentam o seu sexo – por uma bagatela de 3 mil euros (aumento que teve de pedir ao chefe que financiou o projeto e as viagens). Essa dominação e postura superior da pianista criam devaneios sexuais na cabeça do escritor após a sessão.

Não bastasse o flerte entre a arte e o sexo, A Suicida conta como Fernandes conhece uma jovem húngara prestes a se jogar da ponte Carlos. O sentimento de salvador toma conta dele de tal forma que se apaixona pela frágil garota. O desenrolar dos acontecimentos entre delírios de um salvador e sexo trazem conseqüências em A Crucificação, terceira parte do livro. Nesse capítulo-sequência, a tormenta ao final do capítulo anterior faz com que o escritor busque ajuda divina na estátua de Santa Fátima ,e outra vez seus impulsos sexuais, ao notar os detalhes da estátua, desde os seus seios até suas pernas, o transportam para uma cela em que está aprisionada a tal Santa antes da inquisição. Com todos esses detalhes nas três primeiras partes fica fácil prever o que acontecerá nas seguintes: mais sexo.

Entretanto, como será que se desenrolarão cada um desses passos do escritor? Em A Boneca é possível prever os acontecimentos sem grandes surpresas, talvez apenas as descrições de Sant’Anna surpreendam, mas quando a história se torna caso de polícia – num absurdo kafkiano – é possível encontrar-se surpreso. O escritor tcheco tem um capítulo dedicado totalmente a ele em O Texto Tatuado, em que Antônio Fernandes encontra Peter – um jovem que possui um texto nunca publicado de Kafka, e este se encontra tatuado no corpo de sua irmã gêmea.

Para fechar as aventuras sexuais, Sant’Anna nos presenteia com um capítulo dedicado ao fetiche com uniformes, palmadas e submissão, beirando a pura casualidade de um filme pornográfico – daqueles em que o entregador se torna amante ou uma revista policial uma ode a Baco.

O Livro de Praga não é um livro habitual de amor, não beira o sentimentalismo, ele flerta com a perda de amores temporários carregados de muito erotismo e casualidade, gerando um ar juvenil ao rejuvenescer seu personagem principal através de desventuras sexuais.