Francis Scott Fitzgerald é um autor singular, cuja prosa, segundo Carpeaux, tinha um estilo próprio e influenciou profundamente os demais escritores da época. Fitzgerald é, para mim, motivo de muita inquietação, e somente explorando várias de suas obras é que consegui chegar a uma compreensão maior e mais profunda sobre o porque de sua literatura ser tão badalada e tida como clássica até hoje, embora ela seja também alvo de controvérsia.

A geração de autores da qual Fitzgerald faz parte ganhou o alcunha de “Geração Perdida” porque seus escritos refletiam a experiência do pós-guerra e os augúrios de uma nova mentalidade que surgia como fruto, inclusive, de uma nova dinâmica econômica global e novas mentalidades. Fitzgerald se tornou clássico pela representação emblemática que fez sobre esse novo mundo que nascia.

A característica da sua escrita, elegante, com a pompa e a circunstância que os norte-americanos vivenciavam nos “loucos anos 20” (tomo essa acertada expressão do Joe Gillis, de Crepúsculo dos deuses [Sunset Boulevard, 1950]), quando assumiram as rédeas da nova dinâmica econômica global, chama a atenção por ser ela mesma um atributo dessa vida e refletir ao próprios questionamentos do autor com essa universo de opulência.

A vida de Fitzgerald é, inclusive, de grande contribuição para entender suas obras e o porque de seu status de clássico. Fitzgerald vivia atormentado pelo conflito entre duas realidades: a festividade hedonista (talvez escapista?) que os “loucos anos 20” proporcionavam e o reconhecimento da aridez espiritual dessa euforia materialista que a abundância trazia. Suas obras são a evidência da fascinação e da repulsa do autor pela riqueza e pela opulência.

O diamante do tamanho do Ritz é um conto que data de 1922 e conta a história de John T. Unger, um jovem provinciano (aliás, jovens indo para centros urbanos é uma constante nesses três contos presentes na edição da L&PM) que no colégio torna-se amigo de um rapaz misterioso, Percy Washington, que alega que o pai possui um diamante do tamanho do Ritz. John T. Unger, fascinado, resolve acompanhar o colega para sua casa e verificar a veracidade da alegação. A mansão do amigo encontra-se no único lugar não topografado dos Estados Unidos, em uma montanha cujo anonimato foi mantido a custo de muito suborno. Ou seja, a terra não consta nos mapas oficiais.O motivo de tanta preocupação é o fato de a montanha sobre a qual jaz a propriedade dos Washingtons ser um enorme diamante!

O protagonista goza da nababesca hospitalidade e régio conforto, aproveitando cada pequeno e multimilionário detalhe que a fortuna de diamantes pode garantir. E eis que se revela o deslumbramento tipicamente fitzgeraldiano! A mesma suntuosidade que Gatsby ostentou para recuperar o amor de Daisy, mas que carrega em si o germe da fugacidade e pseudo-segurança, pois mostra-se infrutífero e incapaz de sustentar-se por si próprio; também aqui vem abaixo. O desfecho revela a outra faceta de Fitzgerald: a negação da embriaguez pela riqueza. Um conto capital para a compreensão dos conflitos que perturbavam a cabeça e motivavam a escrita do autor.

O segundo conto, Bernice corta o cabelo (1922), apresenta Bernice, moça provinciana que vem passar as férias na casa de sua prima, uma jovem badalada que vive os agitos da era do Jazz em festas e mais festas. Bernice encontra dificuldades para se misturar aos amigos da prima, ao passo que essa a ajuda, dando dicas e melhorando sua aparência. Bernice passa então a ser o centro das atenções, despertando a inveja de sua prima.

Fitzgerald entra aqui no universo dos jovens da era do Jazz, traduzindo suas festivas porém vazias existências, embaladas por músicas, bailes e gargalhadas, mas presas de forma egoísta em status e buscas inglórias por popularidade.

Em O palácio de gelo (1920) conhecemos um casal inusitado, Harry e Sally Carrol (sim, também lembrei daquele filme com o Billy Cristal e a Meg Ryan), separados por criações em lugares diferentes, vivendo o distanciamento que suas origens lhes votam. Sally, uma garota interiorana sulista, se envolve com Harry, de origem nortista, e eles flanam pela cidade, conhecendo pessoas e aproveitando os prazeres da vida, discutindo as diferenças entre a vida provinciana e a vida nos grandes centros.

O interessante do conto não é o enredo, mas sim as impressões de um e outro, contrapondo-se mas equivalendo-se em alguma medida, pois são mostrados duas facetas dos Estados Unidos que se diferem profundamente, principalmente depois da Guerra de Secessão, que reforçou e levou a novo patamar a fronteira que separa o Norte e o Sul. A tranqüilidade da pequena cidade contrapostas a badalação e o ritmo frenético da metrópole se corporificam nos próprios encontros e desencontros amorosos, de modo que surge mais uma das fábulas da era do Jazz, onde entrelaçam-se a boa prosa de Fitzgerald junto a suas preocupações com a euforia festiva e a aridez espiritual dela.