Histórias de Cronópios e de famas é um sintetizador da voz surrealista e insólita de Julio Cortázar, uma experimentação de linguagem, gêneros (existentes ou não) e acima de tudo despretensiosa. Sem tentar enganar o leitor ou impor um estilo, ele apenas faz com que tudo o que é dito seja simples. Logo no início, a tradutora Glória Rodriguez abre uma explicação sobre o estranho nome; afinal, o que são cronópios e o que são famas? Nada mais do que simples seres microscópicos criados pela mente do autor Argentino e eu não posso revelar aqui com exatidão o que eles são, apesar da explicação. Creio que a descoberta por conta do leitor é essencial para apreciá-los.

Dividido em quatro partes – Manual de instruções, Estranhas Ocupações, Matéria Plástica e Histórias de Cronópios e de famas -, Cortázar nos leva ao tangível e intangível, do cotidiano ao absurdo sem nos empurrar em um labirinto.

Manual de instruções nada mais é do que pequenos textos explicando como utilizar a arte de cantar ou a arte de chorar, coisas que nascemos embutidos com a habilidade, mas nunca explicaremos com palavras. O abstrato é condensado em palavras certeiras: escândalo e espasmódico. Ou mesmo as instruções e exemplos de como sentir medo que revelam um livro escocês que mata aqueles que abrem a sua página em branco. Todavia, não é apenas de trivialidade que se trata esse manual, ele, de maneira arguta, nos mantêm ligados às conclusões de como matar formigas numa visita em Roma ou admirar três quadros distintos.Estranhas ocupações remete às atividades de uma família em Buenos Aires: leituras, trabalhos e até etiqueta em velório.

Matéria Plástica vem para tomar de assalto com experimentações um tanto inusitadas, misturando as brincadeiras de criança com insetos às caixas de correio do ministro do Exterior, camelos indesejáveis ou sobre uma eleição onde todos os candidatos possuem o mesmo nome – uma crítica a mesmice política, propostas e personalidades diferentes que dão sempre na mesma. No derradeiro capítulo somos apresentados às histórias dos cronópios, de famas, de esperanças e suas danças típicas, suas visões do mundo e até a  sua infância.

Demonstrando destreza ao criar novas visões dentro de um mundo ordinário, Cortázar aplica críticas descaradas e sutis sobre os acontecimentos do seu universo, que nada mais é que um paralelo do nosso. Espaço e tempo se chocam para mostrar aos seus leitores que não basta entrar numa nova dimensão, deve-se, sempre, viajar pelas coisas. Ignorar e estuprar a natureza comum e pessimista. É preciso ter uma admiração infantil e um olhar crítico. Ou seja, é preciso caminhar, correr ou voar por todos os lados de uma situação, de uma história, de um acontecimento e de tudo que nos cerca. As palavras, as maiores amantes do escritor, pulam, saltam, renascem e dão cria as novas sem pedir permissão. Porque no mundo de Cronópios e de famas ficamos nus ao encontrar nossos defeitos e erros esfregados em nossas caras.